A importância da escuta musical diária

Pode parecer obviedade, mas há poucas coisas mais importantes para um músico do que a escuta. Na verdade, é onde tudo começa: tocamos aquilo que ouvimos. Ou melhor, a maneira particular como tocamos um instrumento, a forma e os recursos que usamos ao cantar, os estilos musicais dentro dos quais no inserimos, as músicas que compomos, a forma como improvisamos, tudo isso é resultado das centenas ou milhares de músicas de diferentes intérpretes que ouvimos ao longo da vida. Nós selecionamos essas informações musicais absorvendo as que nos agradam e deixando de lado as outras. Esse processo nem sempre se dá de maneira consciente. Muitas vezes, só tardiamente nos damos conta da presença em nossas música de elementos que vieram, por exemplo, por meio dos discos que nossos pais ou pessoas próximas costumavam ouvir quando ainda éramos crianças ou adolescentes. 

É claro que, além disso, cada pessoa imprime sua marca pessoal, aquela batida, aquelas frases musicais, aquele jeito singular de cantar, aquele quê que é só dela e de mais ninguém. Mas, em larga medida, o que torna um artista único é justamente a forma como ele selecionou todas as milhares de informações musicais que ouviu ao longo da vida e as organizou de modo a criar um mosaico ímpar. 

Por isso é que a prática da escuta musical é tão importante. Quando queremos, por exemplo, aprender um estilo de música, seja ele qual for, a melhor coisa a se fazer é ouvir e reouvir os grandes artistas desse gênero. A cada escuta, nossa percepção se aprofunda e vamos percebendo os diferentes elementos que caracterizam esse tipo de música: elementos rítmicos, melódicos e harmônicos, as particularidades expressivas do canto, como tudo isso vai sendo repetido na execução de vários desses intérpretes e o que cada um deles faz de particular. Quando a gente adquire uma boa bagagem musical, de certo modo é como se só nos restasse descobrir como cantar ou tocar no instrumento aquilo que o ouvido já sabe que quer escutar. E, claro, nesse processo o ouvido também descobre um monte de coisas novas que vão enriquecendo sua bagagem através da prática. 

Em suma, devemos imergir na linguagem musical para que também possamos falá-la, da mesma forma como fazemos para aprender um novo idioma. Por isso recomendo a escuta diária não só de nossos artistas preferidos, mas também de outros grandes artistas que ainda não tivemos a oportunidade de ouvir. Assim, podemos ampliar cada vez mais nosso repertório. Além disso, se por um lado dedicar um tempo exclusivo para a escuta atenta de música é muito importante, por outro, não deixe de ouvir música também em momentos de menos concentração, como num jantar, numa reunião de amigos, enquanto limpa a casa, etc. Quanto mais imersos estivermos nesse universo, mais profundamente aprenderemos a falar sua linguagem.

Eu tenho (mesmo) vontade de aprender música?

“O homem é uma vontade servida por uma inteligência” (Jacques Rancière, retomando o pedagogo do séc. XVIII Joseph Jacotot).

Quando pensamos no aprendizado de algum instrumento ou de canto, algumas questões nos vêm à mente: quanto demora para que eu esteja tocando ou cantando algumas músicas? Quantas horas preciso estudar por dia? Já tentei aprender uma vez, mas não tenho jeito, será que vou conseguir aprender agora? Uma resposta possível, na minha opinião, seria: depende, você tem realmente vontade de aprender música?

Há algo muito fundamental em qualquer aprendizado, que é o querer aprender. Isso fica nítido quando pensamos no contexto escolar: o quão custoso era aprender alguma disciplina pela qual tínhamos nenhum ou pouco interesse? E o quão gratificante era aprender as que gostávamos? Isso não dizer que quando a gente tem vontade de aprender algo os obstáculos ficam menores, o que acontece é que a nossa disposição em resolver os desafios é suficiente para que não nos importemos com o quão trabalhoso eles serão.

Por isso, quando nossa vontade de aprender música não é muito intensa, tudo fica mais penoso e as chances de desistirmos nos primeiros obstáculos aumentam. Claro, isso também não quer dizer que para aprender música precisamos deixar tudo de lado ou querer ser músicos profissionais. Podemos ter outras carreiras, outras prioridades, e mesmo assim ter vontade suficiente para nos dedicar, no ritmo que for possível, à música.

Aqui falamos sobre algo importante: o ritmo de aprendizado. O ritmo e a evolução do nosso aprendizado estão diretamente ligados à intensidade de nossa vontade. É claro que a quantidade de tempo livre de que dispomos para praticar música tem grande peso em nossa evolução musical. No entanto, esse não é o ponto determinante. Quantas vezes a gente tem um dia inteiro para fazer uma tarefa e, mesmo assim, acabamos nos distraindo com outras coisas e a deixamos para a última hora, ou então simplesmente não a fazemos? Mas se essa tarefa for algo que desejamos muito, que nos dê algum tipo de satisfação – imediata ou a posteriori -, as chances de passarmos boa parte do dia nos dedicando a ela aumentam bastante.

Resumindo, o ponto aonde quero chegar aqui é: embora nossa evolução musical dependa de inúmeros fatores, como nossas habilidades e dificuldades específicas ou nossa bagagem musical prévia, o certo é que quanto mais forte é a nossa vontade de aprender música, mais tempo passamos cantando ou tocando nosso instrumento, mais intensa é a nossa prática musical (porque a atenção que colocamos nela também é maior) e mais intenso é o nosso ritmo de aprendizado.